Costura Para Crianças: 4 Fundamentos De Ensino

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Este post é um convite para você aprender uma abordagem lúdica, funcional e objetiva para ensinar às crianças a arte da costura. Aqui você aprenderá os 4 fundamentos sobre os quais eu desenvolvo este trabalho em meu ateliê e em outros ambientes. E verá como ter seus primeiros alunos de costura mais felizes e envolvidos. 

Eu trabalho com a costura há mais de 20 anos e há 5 anos venho ensinando costura para crianças. Neste tempo venho desenvolvendo maneiras de plantar a semente da costura e das poéticas manuais nos corações dos meus alunos.

Antes de falarmos de costura para crianças, devemos nos lembrar que a costura é uma forma de prática manual milenar. Ela existe desde os primórdios da humanidade, anterior inclusive à tecelagem de pano. Com isso, trazer estes conhecimentos para as crianças é muito mais do que ensinar um conjunto de técnicas. É uma ligação com nossa ancestralidade e a história da humanidade. E eu acredito que nós, educadores, pais, mães e avós, precisamos ter esta consciência, para trazer estes princípios para as crianças.

Tendo dito isso, vamos aos 4 Fundamentos do ensino da Costura Para crianças:

1 – Ambiente e atmosfera no ateliê de costura

No ambiente tranquilo, lento e aconchegante do ateliê de costura, nasce a vontade de trabalhar com as mãos. Quando estamos neste espaço propício para os trabalhos manuais, todos os nossos sentidos nos dizem que podemos desacelerar. Podemos descansar e sentir o tempo de uma maneira diferente do que estamos habituados.

Nas últimas décadas, os fazeres manuais foram deixados de lado pela maioria das mulheres. As mães e avós que normalmente transmitiam esses saberes para suas descendentes, com muita naturalidade e amor, nas últimas gerações, sentiram vontade e necessidade de sair de casa e buscar trabalho remunerado. E isso é parte de nossa história também.  Como mulheres, foi importante ter este reconhecimento e valorização. 

Por outro lado, muitas pessoas vêm reconhecendo, aos poucos, o valor das tradições e clamam pela retomada dos fazeres manuais ancestrais. A costura, o bordado, a tapeçaria, a arte de fazer bonecas de pano, o crochê, o bordado e tantas outras poéticas manuais, vêm sendo resgatados. Agora as mulheres voltam para casa por que querem, com a consciência e a escolha mais clara da importância da energia feminina para a humanidade. Digo feminino, porque esse fazer concentrado e minucioso é típico desta força. Isso que não significa que homens não possam desenvolvê-la com o mesmo potencial.

Eu e Sofia

Este ambiente que antes era a casa, agora pode ser o ateliê, a escola, uma festa de aniversário. É preciso recriar a maneira de ensinar e transmitir esses ensinamentos tão preciosos, especialmente para as crianças. E é por isso que estamos aqui!

Dentro deste ambiente propício para o desenvolvimento dos trabalhos manuais, precisamos criar uma atmosfera propícia também. Para isso precisamos nos conectar com nossos alunos, precisamos trazê-los para o tempo presente, para o tempo de contemplação do ateliê. O dia a dia cheio de tarefas e compromissos, mesmo para as crianças, tem outro tempo. Tem um tempo ansioso, que não está preparado para contemplar o minuto a minuto, o ponto a ponto. É preciso desacelerar.

2 – Conexão e meditação no inicio das aulas de costura

Antes de cada aula de costura, eu recomendo e procuro sempre fazer uma conexão especial com as crianças . Geralmente faço alguma prática de concentração que chamo de meditação. Desenvolvi várias meditações para fazer junto com as crianças antes das aulas. Sempre começando por colocar os pés no chão e mãos na mesa. Os pés no chão aterram. As mãos na mesa trazem para o presente. Feito isso, se as crianças ainda estão muito agitadas, eu faço uma prática para acalmar e ativar a concentração. Se elas estão muito desanimadas ou preguiçosas, opto por aquecer os dedinhos com músicas cantadas e movimentos. Veja um exemplo no vídeo abaixo:

Falamos do ambiente , da atmosfera e da conexão que devemos ter para trabalhar a costura para crianças. Agora falaremos da metodologia utlizada nas aulas.

3 – Metodologia nas aulas de costura para crianças

Quando comecei a dar aulas de costura para crianças foi um desafio. Eu dava aulas para adultos de modelagem, corte e costura. Nessas aulas já aplicava a costura criativa, mas ainda bem diferente do lado lúdico que hoje utilizo com as crianças. A coordenadora da escola das minhas filhas me fez o convite para dar aulas semanais dentro do horário pedagógico no primeiro ano do ensino fundamental, crianças de 6 – 7 anos.

A ideia inicial do projeto era, através da ludicidade da costura e dos trabalhos manuais, desenvolver as diversas habilidades e capacidades que emergem e podem ser tecidas numa aula como essa, tais como: coordenação motora fina, visão espacial, criatividade, paciência, concentração, autoestima, pensamento lógico e autonomia. Falaremos a respeito delas mais adiante.

Um ponto interessante que também norteia este trabalho, além dos citados acima, é trazer a história da humanidade através destes trabalhos manuais.

Fui desenvolvendo, na vivência mesmo do dia a dia, atividades de costura criativa que tivessem uma sequência de aprendizado, desde os pontos mais simples e da agulha sem ponta, passando pela utilização da agulha com ponta até chegar na utilização da máquina de costura.

Como as turmas tem de 12 a 16 alunos, e eu preciso estar com um a um na máquina de costura, desenvolvi atividades que conjugassem costura manual com costura à máquina.

Desta forma, as professoras de classe auxiliam as crianças nas costuras manuais.. Enquanto isso eu vou, com cada criança, ensinando e acompanhando a costura à máquina. No meu ateliê trabalho com menos crianças de cada vez, podendo eu mesma acompanhar todo o processo de forma serena.

Passei a perceber os benefícios desta prática conjugada, mesmo sendo inicialmente apenas uma estratégia para viabilizar aulas em grupo. A costura manual trabalha a coordenação motora fina, requer mais paciência, concentração e desenvolve o estado contemplativo. A costura á máquina, por sua vez, desenvolve mais o pensamento lógico, a autoestima e autonomia.

4 – Ludicidade  em tudo que envolve a costura com crianças

Outro ponto importante nas aulas com as crianças é a ludicidade. Desde a meditação até o fim da aula é preciso usar o faz de conta, as analogias e os elementos simbólicos para ter mais engajamento com as crianças. Estas ferramentas são bastante importantes, principalmente nas primeiras aulas do meu Curso Online de Costura para Crianças (Costura para Arte Educadores).

No primeiro ciclo do ensino fundamental( 1º ao 3º ano) as crianças têm de 6 a 10 anos. Estão entrando no segundo setênio. Segundo Rudolf Steiner, criador da pedagogia Waldorf (antroposofia) , agora os pequenos já estão preparadas para novas vivência e desafios.

A criança nesta fase está totalmente receptiva e aberta para a possibilidade de se maravilhar! É a fase ideal para se desenvolver trabalhos artísticos e manuais que tem um poder incrível de desvelar e equilibrar os sentimentos.

Gabi e sua almofada criativa

Nos primeiros contatos com as linhas e agulhas, podem ocorrer frustrações intensas, tudo é novo. Afinal, são novos movimentos de coordenação motora fina, mas a criança tem uma força interior imensa e é capaz de superar os desafios e continuar tentando, até conseguir. Utilizando pequenas histórias e metáforas você pode auxiliar a criança a vencer esses desafios e ser cativada pela costura.

Uma historinha que inventei para essas ocasiões é a da fadinha da costura que passa e embola a linha da criança que está muito desconcentrada. Essa historinha me auxiliou muito com um menino de 6 anos que tinha muita resistência com as aulas de costura por pensar que não sabia costurar e que o que eu estava propondo era muito difícil para ele. Ele ficava intrigado com a história e dizia “fadas não existem!”. Eu dizia “existem sim! Na minha imaginação ela me contou que embola as linhas!”. É um exemplo divertido de como podemos ser lúdicos, principalmente nos momentos de dificuldade.

Além disso, um conceito que gosto muito é o do “horizonte de significado”, que é a noção de início, meio e fim. Ao confeccionarmos peças com a costura, essa noção fica muito clara na cabeça das crianças. O“horizonte de significado” trás para as crianças a noção de que é preciso um esforço para que as coisas existam no mundo e que elas podem ( e devem) fazer parte desta construção. Com todo o imediatismo das redes sociais e de tudo que nos cerca, as milhões de informações picadas quando passamos os dedos nas telas, não existe horizonte completo, tudo é fragmentado. Perdemos a capacidade de começar e terminar algo, e agora estamos percebendo a importância de retomar. Estamos sentindo vontade de voltar às origens e nos deliciarmos com a poesia do feito à mão.

Tudo isso nos conta que ,ao final de cada projeto, tendo um produto pronto e útil a criança se conecta com o resto do mundo, trazendo a gostosa sensação de pertencimento.

Numa oficina de costura infantil, é importante que as atividades e projetos sejam concluídos, mas o produto final não precisa passar por um “controle de qualidade”. Esse não é o objetivo. É importante respeitar a capacidade de cada criança em cada momento de sua vida.

O importante é o processo e não o resultado.

Além disso, num ateliê de costura podemos dar às crianças a oportunidade de navegar pelos sentidos sensoriais do tato, onde ela pode experienciar tecidos, linhas, cores e texturas, ativando diversas áreas do cérebro.

Trabalhando com as mãos os sensores corporais podem ser desenvolvidos, dando as condições essenciais para que possamos compreender e interagir de maneira equilibrada e saudável com nosso mundo de objetos, situações e pessoas.

Conclusão: Principais benefícios da costura para crianças:

Coordenação motora e motora fina: Desenvolvimento de habilidades que auxiliam nas ações cotidianas. Capacidade de sincronizar os movimentos usando cérebro (cognição), músculos e articulações. Estudos mostram que as atividades manuais, quando estimuladas, favorecem o desenvolvimento sináptico cerebral.

Visão espacial e matemática: Capacidade de percepção mental de formas espaciais. Ter o sentimento da forma espacial sem estar vendo o objeto. Além da geometria presente nas medidas para construir os moldes; somas, divisões, subtrações, contagem de pontos em trabalhos como crochê e tricô etc.

Criatividade: Capacidade humana de grande valor universal. Tudo indica que nesta competência reside a memória “RAM” biológica para o impulso da evolução humana. É na capacidade criativa que existe a chave da capacidade de evolução da humanidade. Não só artisticamente, mas para solucionar problemas de todas as naturezas.

Paciência: tolerância, autocontrole.

Concentração: foco, presença.

Auto confiança, autoestima: Através da realização de projetos, a criança se vê capaz, desenvolvendo a autoconfiança e a autoestima que é a habilidade de regular o próprio sentimento.

Pensamento lógico/ Entendimento dos processos: Através do entendimento do horizonte de significado (início, meio e fim) que ela vivencia na construção de uma peça, a criança é capaz de elaborar os próprios sentimentos e processos naturais da vida, como por exemplo: nascimento, vida e morte.

Autonomia: condição necessária para que o indivíduo possa se desenvolver até atingir a idade adulta e poder gerir a própria vida.

Lateralidade: É a capacidade de, por exemplo, escolher qual mão será usada para cada ação. Geralmente desenvolvida em toda sua potencialidade aos 7 anos (2º ano).Esta capacidade é de grande importância para formação de conceitos complexos como de espaço.

Vamos costurar  o pensar, o sentir  e o querer; e valorizar a constituição de seres mais integrais!?

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Ananda Sette

Sou mãe da Rosa, Lira e Aurora, minha missão primordial. Desde criança vivo no universo da costura e há anos me dedico aos trabalhos manuais de maneira ampla. Comecei a dar aulas de modelagem e costura em meu ateliê, para adultos e crianças, pois descobri que esse é o propósito que está em meu DNA e no de minhas ancestrais. Busco inspirar mulheres a se reconectarem com os fazeres manuais e as crianças a se desenvolverem de maneira mais integral através da costura. Venho incluindo contos e dinâmicas curativas nesses processos.